Por que não temos nenhuma rua com nome de índio em Piraju?
Em 2012, a empresa barrageira interessada em represar o último trecho de calha natural do Rio Paranapanema enviou um palestrante à loja maçônica para falar sobre possíveis vantagens do empreendimento. Em certo tom de deboche, em determinada altura de seu discurso, o homem provocou os ambientalistas com algo mais ou menos assim: “por que vocês querem manter o rio vivo? Só por que índios viveram lá em volta anos atrás? Ainda tem índio aqui?”.
O que soou como perguntinha despretensiosa para alguns soou como ofensa para outros. Estaria o capacho de barrageiro tentando nos ofender ao nos chamar, veladamente, de “índios”? E por que ser chamado de “índio” é tão ofensivo?
Podemos ir além e nos questionar a razão dos pirajuenses do centro da cidade (sem generalizações, é claro), insultarem – “na brincadeira”, dizem – os moradores da Estação ou de bairros mais afastados com a palavra “índio” também.
Independente da brancura, olhos azuis, loirice ou italianice de que tantos adoram se gabar, os índios Caiuás, como eram chamados nossos Guaranis, foram os primeiros habitantes de nossa terrinha e, junto com os posseiros brancos, protagonizaram a disputa pela imagem de São Sebastião, talvez a cena mais folclórica registrada pelos anais de nossa história. A imagem, hoje guardada na igreja matriz, fora um presente dos capuchinhos italianos aos índios no ano de 1847. Joaquim Antônio de Arruda, o patriarca branco mais popular dos registros oficiais, chegou por aqui em 1859, doze anos depois dos Caiuás.

QUESTIONAMENTOS
Sobre Arrudas, Gracianos e Faustinos é possível encontrar vasto material nos anais históricos: árvores genealógicas, nomes completos, datas de nascimentos e até mesmo alguns gostos e predileções. Sabemos que o velho Arruda, por exemplo, era compadre do Barão do Rio Branco, figurão da grande política da época e que era devoto fervoroso de São Sebastião. Dos índios, em contraponto, nada se sabe. Na bibliografia existente, os nossos Caiuás aparecem sem nome, sem sobrenome, sem família, sem fé e até mesmo sem princípios, sendo ocasionalmente chamados de “selvagens” e “silvícolas”. Ou seja, nossos índios são desumanizados de todas as formas possíveis. Não temos registradas as suas características físicas, sua medicina, seus costumes, suas sabedorias (muito provavelmente riquíssimas).
O menosprezo arraigado dos brancos em relação aos indígenas nos deixou órfãos de uma fatia considerável de nossa História, com H maiúsculo. Pode-se dizer que todo brasileiro e, particularmente, todo pirajuense, é privado de conhecimento completo sobre sua ancestralidade, o que prejudica nossa compreensão e condições de fortalecer nossa consciência histórica.
Em 1912, o etnólogo Kurt Nimuendajú, a serviço do governo, comandou a missão de transferir os cerca de 30 índios que ainda viviam em nossa cidade para a reserva de Araribá, próxima a Bauru. Não temos relatos das possíveis chacinas e processos de dizimação que fizeram com que os Caiuás de nossa cidade chegassem a uma quantidade tão pequena.
É importante ter sempre em mente que enquanto os pirajuenses dos bairros nobres insultam os moradores dos bairros distantes e pobres chamando-os de “índios”, tem um pau-mandado de barrageiro morador de metrópole (que certamente recebe um salário muito maior que o seu) insultando a todos nós com o mesmo termo. Diante disso, como ficaria um descendente de Caiuá morador de Araribá, cujos tataravós foram mortos por posseiros ou expulsos de Tijuco Preto pelo governo a pedido dos homens brancos?
Podemos substituir o “ainda tem índio aqui?” do barrageiro por um “que conhecimento nós temos dos indígenas que habitaram a nossa terra até 1912?”. Praticamente nenhum.
Ao andar pelas ruas da cidade, leitor, observe as placas e questione-se sobre a origem daqueles que ganharam homenagens póstumas batizando avenidas, alamedas, praças, escolas, conjuntos de moradias populares e becos. Tem nome de índio nas ruas daqui? Não.
EM TEMPO – A Estação, batizada de “Vila Tibiriçá”, não ganhou o nome em homenagem a nenhum cacique de pele vermelha, como os desavisados podem supor, mas sim ao branquíssimo governador do estado de São Paulo Jorge Tibiriçá Piratininga, que geriu o estado no comecinho do século 20 e que nasceu em 1855 na capital francesa, Paris – cidade luz, bem distante de qualquer Caiuá.

