De 2003 a 2008, mais ou menos, Seu Toninho foi inspetor de alunos em nossa escola, o antigo Colégio Castro Alves. Repleto de adolescentes em pé de guerra e panelinhas, o ambiente às vezes era um tanto hostil, embora, no final das contas, tenha deixado um saldo de boas memórias para quase todo mundo que passou por lá – talvez porque o próprio mundo fosse um lugar menos pior em 2003 – mas deixemos os queixumes sobre o cenário político de fora dessas linhas.
O Anglo chegou a ser considerado o melhor colégio da região. Em 2004, minha turma se formou no ensino fundamental (antiga oitava série) e tentamos nos organizar para uma singela comemoração de formatura. Para levantar a grana inicial, fizemos uma rifa. Como ninguém tinha nenhuma caixinha pra bancar a cartela, desenhamos a tabela nós mesmas, as amigas, com canetas coloridas e lápis de cor. Em vez de nomes femininos, colocamos nomes de animais, os mais loucos e diferentes possíveis. No final, sorteamos um animal e presenteamos o comprador com um relógio despertador – objeto útil porque quase ninguém tinha celular na época.
A primeira pessoa que comprou a nossa rifa foi o Seu Toninho. “Que rifa diferente, hein? Vocês que fizeram?” – ele parecia ter achado nossa ideia divertida. “Vou ficar com o gato, o bicho mais bonitinho aqui dessa cartela”. Gentil e gateiro, esse era o nosso inspetor de alunos.
O gato perdeu. No fim, o vencedor da rifa foi o Paulo Viggu, coordenador da escola na época, comprador da “égua”, animal sorteado. Mesmo vendendo gatos e éguas, a festinha de formatura acabou não acontecendo. Turma desunida, briguenta e não tínhamos ainda sabedoria para trabalhos em equipe.
Seu Toninho nos recebia na entrada já antes das sete da manhã. À tarde, quando chegava a criançada, se tivesse chovendo, ele as buscava no carro com um guarda-sol colorido. Em 2006, quando a escola foi vendida para um forasteiro de reputação duvidosa que acabou de afundá-la no limbo financeiro, os alunos receberam inúteis carteirinhas de estudante, que seriam usadas para atravessarmos catracas jamais instaladas. Mesmo assim, Seu Toninho foi encarregado de conferir nossas carteirinhas diariamente: quem tem carteirinha, passa; quem não tem, passa também, mas leva pito – e levar pito dele nem era tão ruim.
Foi nessa época que o “Orkut”, a rede social da época, floresceu. A comunidade mais acessada do Anglo homenageava o inspetor. “Eu conheço o Seu Toninho” reunia todas as panelinhas do Colégio Castro Alves e, na descrição, o moderador da comunidade afirmava: “comunidade em homenagem ao Seu Toninho do Anglo, afinal, todo mundo gosta dele”.
Ele brincava com a gente e nós brincávamos com ele. Minha irmã, no linguajar do inspetor, virou “Magrela”, e assim ele sempre a chamou. Quando Seu Toninho entrava na sala de aula para dar um recado, era uma festa. Todos aplaudiam e diziam “aeeee, seu Tonico!”.
Quando flagrado dirigindo o veículo do asilo por um grupo de alunos, logo foi questionado: “E aquele fusquinha, Seu Tonico?” Ele respondeu que estava dirigindo o carro da entidade porque era um vicentino – e, assim, “vicentino” virou uma das alcunhas que a molecada mais peralta usava para nomear o nosso querido inspetor: “Seu Tonico vicentino, bom dia!”
Toninho nunca se incomodou com as brincadeiras. Ao contrário, aproveitava para zombar de nós também: “Xô! Vai estudar, vai” – sempre sorrindo e se divertindo com a juventude em formação, bobos e imaturos que éramos.
Seu Toninho ou “Tonico vicentino” foi o primeiro grande voluntário pirajuense que a criançada do Anglo Piraju teve contato e, como criança aprende pelo exemplo, foi por ele que ficamos sabendo sobre o Asilo e chegamos até a fazer alguns trabalhos de redação na entidade. Até quando pôde, lá esteve o Toninho, no caixa ou nas barracas de espetinho das festas vicentinas, no frio ou no calor, trabalhando por generosidade e carinho, desinteressado em status, homenagens e retribuição financeira.
Mesmo depois de muitos anos após a falência do Anglo, encontrar o Seu Toninho na rua era sempre a mesma festa. “E o jornal?”, “e a mãe?”, “e a Magrela?”. E ele sempre de bem com a vida, distribuindo abraços e sorridente. E que assim nos lembremos dele, sem nos esquecer de seu grande coração.
Mas necas de chororô, hein? Vá estudar que seu boletim não tá bom!

