Théo Motta

Costumo caminhar pelas ruas do meu bairro em Marília todas as manhãs, acompanhado do meu cão, uma simpática criatura já reconhecida por grande parte dos vizinhos. O nome dele de registro é Dragão da Maldade, em homenagem ao filme do Glauber Rocha, mas como é um cão elegante com pinta de lorde inglês, arranjei-lhe um codinome, algo ligado à sua cor e foi assim que Dragão virou Chantilly, que o Pedro Novaes insiste em afirmar que é gay (o cachorro, claro).

Nessas caminhadas que me ajudaram a emagrecer mais de 20 quilos, ele cataloga as cachorras do bairro e faz questão de cumprimenta-las com a sua famosa mijada demarcatória. Na esquina, a Gueixa; mais à frente, a brava Zoreia; no meio do quarteirão, as irmãs Kokó e Ranheta; e assim vamos.

Numa dessas casas mora um velho ranheta que chegou a insinuar que eu daria Lazix ao cão para que ele mijasse mais vezes e assim desse trabalho ao serralheiro, ganhado uma comissão certamente.

Esse sutil energúmeno tinha bem na frente de sua casa um lindo pé de acerola, frondosa árvore carregada de frutinhas que os passantes colhiam sempre que chegava a estação. Dia desses, como que por encanto, a árvore desapareceu do cenário e, intrigado, quis saber o motivo, ao que ele respondeu com sarcasmo e cara de enfado: “as acerolas atraíam maritacas e elas cagavam no meu automóvel uma gosma roxa e nojenta”.

Perguntei se não seria mais inteligente da parte dele, já que era aposentado, guardar o carro na sua ampla garagem ao invés de tomar uma atitude tão radical, afinal, se a árvore está na via pública, ela não é mais propriedade privada e pertence a todos os moradores da cidade.

“É que gosto de lavar o meu carro todos os dias às sete horas e justo nesse horário as maritacas do caralho passam por aqui e parece que cagam no carro de propósito. Cheguei a pensar em dar Racumin para elas, mas fiquei com medo de ser linchado pelos vizinhos com essa viadagem de ecologia e preservação da natureza. Por isso cortei a árvore”.

Então entendi porque um dia a mulher do vizinho arrumou as malas (fofocas do bairro), subiu num táxi e desapareceu na noite. Continuei minha caminhada, com a vontade de comprar um balde de acerolas, comê-las todas e dar uma cagada bem em cima do capô do carro do sujeito. O ser humano (?) não pensa duas vezes em tomar uma atitude mesquinha quando se sente financeiramente prejudicado, nem que para isso tenha que cortar uma árvore bonita que enfeitava as manhãs alimentando maritacas, que aos bandos alegravam o bairro com seu canto estridente, única distração para um bando de velhos aposentados, melancólicos e ranhetas, alguns salvos da morte prematura pela amizade de um belo cachorro branco e da sua devoção ao passeio de todas as manhãs. Nasceu cronista.

 

 

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