No início dos anos 50, o deputado federal pela Bahia, Nelson Carneiro, ganhou holofotes e motivou grande revolta da igreja católica e setores conservadores por defender publicamente o divórcio, criando o primeiro projeto divorcista da história brasileira e outro desígnio que igualava a mulher casada ao marido.
Repórter e advogado formado em Direito pela Universidade Federal da Bahia em 1932, Carneiro perdeu a reeleição em 1954, derrota atribuída à firme oposição que os católicos fizeram a ele na época.
“DIVORCISTAS” (que não se consideravam como tal) x CONSERVADORES NA TERRINHA
Em Piraju, as peripécias revolucionárias de Nelson Carneiro nos anos 50 eram consideradas “modernas demais” para uma parcela da população, representada na imprensa pelo colunista A. Pereira.
Nem todo pirajuense concordava com Pereira, entretanto. Constantino Leman, Bartolomeu de Andrade Silva e Valdir Bittencourt Carvalho foram colunistas que fizeram questão de defender o divórcio nas páginas do jornal “O Comércio de Piraju”.
Tudo começou na edição de 12 de julho de 1953 do referido jornal, quando Constantino publicou um artigo denominado “O Divórcio e sua necessidade”, manifestando sua opinião e seus argumentos: “Quantos casais conhecemos todos nós (…) que vivem brigando, às vezes fisicamente, a tapa, dando maus exemplos às crianças (…) Quantas infelizes mulheres vivem suportando maridos eternamente embriagados, desordeiros, que fazem a família sofrer até fome (…) Então essas mulheres são obrigadas a suportar esse martírio?” – questionava Leman.
Na semana seguinte, A. Silva, revoltado com o artigo do russo, utilizava o espaço do semanário para o seu texto “O Divórcio e sua desnecessidade”, com o subtítulo “para refutar o artigo do Sr. C. L.”
“ECO MACABRO E DIABÓLICO” & “MAL DO FÍGADO”
Apelando demais para a igreja, Pereira define a teoria divorcista como “eco macabro e diabólico”, diz que os defensores do divórcio “careciam de fé”, comete um sem número de deslizes ortográficos, ataca ateus, afirma que o divórcio “abala os alicerces da pátria”, define os defensores da separação como “degenerados”. Escreveu ele: “os que desejam o divórcio é (sic) como uma capa a encobrir-lhes o desejo imoderado da carne, as baixezas do instinto animalizado pela incontinência”.
Talvez até ironicamente, logo abaixo do artigo de Pereira foi posto um anúncio do medicamento “Fideïne”, indicado para males do fígado. Tantas décadas depois, descobrir se a equipe do “Comércio” de fato usou da propaganda para debochar das barbaridades proferidas por Pereira é missão impossível.

REAÇÃO
Reagindo às palavras de Pereira, os colunistas Bartolomeu de Andrade Silva e Valdir Bittencourt Carvalho divulgaram artigos na edição do dia 26 de julho de 1953 defendendo o divórcio.
Ponto a ponto, Bartolomeu refutou o texto de Pereira (que já era uma refutação ao anterior texto do russo Constantino).
Deixando claro ser casado há 23 anos e pai de 11 filhos, Bartolomeu pontua: “Não estou pedindo que se institua o divórcio no Brasil, mas se um filho ou uma filha tiver a infelicidade de cair nas mãos de um carrasco, eu o tirarei, porque tenho dentro do peito um coração que sente, que vibra e que ama”.
Bittencourt não pronunciou palavra sobre sua vida pessoal, mas explicitou seu posicionamento: “se o divórcio é um mal, como apregoam os que lhe são contrários, esse mal é produto da evolução da era em que vivemos. A maioria das nações civilizadas adota o divórcio e não vejo outra solução para certos casos de desarmonias conjugais (…) Fugir à realidade da vida é viver no mundo da lua”, concluía.
Pelas três semanas seguintes, Bartolomeu e Pereira ainda debateram o assunto, cada qual em defesa de sua opinião e de si próprio.
MACHISMO?
O divórcio na imprensa pirajuense ficou limitado a opiniões unicamente masculinas. Em 1953, no espaço “Crônica Social”, o semanário publicava poesias – volta e meia alguma de autoria feminina – porém, as colunas, reportagens e demais espaços do jornal eram preenchidos somente por homens. Em suma: a imprensa escrita pirajuense pode até ter assumido posturas progressistas em determinados momentos da história, mas nunca deixou de ser machista. Um reflexo, talvez, do Brasil como um todo.

Sobre Nelson Carneiro:
Nascimento: Salvador, 8 de abril de 1910
Falecimento: Niterói, 6 de fevereiro de 1996
Deputado pela Bahia de 1951 a 1955
Deputado pelo Distrito Federal de 1959 a 1963
Deputado pela Guanabara de 1963 a 1971
Senador pela Guanabara de 1971 a 1979
Senador pelo Rio de Janeiro de 1979 a 1995
Presidente do Senado Federal de 1989 a 1991

