Esquinas, farmácias, padarias, borracharias e bares mostram que  fofoca é hábito masculino

Nos anos 50, o jornal “O Comércio de Piraju” mantinha uma coluna de ironia, na qual um personagem fictício, o Conde de Paranapanema, debochava sobre questões diversas acerca do cotidiano de Piraju – na ocasião, denominada de “Jarupi”.

Na edição de 1º de fevereiro de 1953, o conde discorreu a respeito do costume pirajuense de se conversar nas esquinas. Hoje em dia, os pontos de fofoca foram transferidos das esquinas para as padarias e pontos da feira da lua. Os contos de Monteiro Lobato, mais famoso escritor paulista, usualmente mencionavam as farmácias como pontos de encontro dos homens para tratar sobre política, esportes e qualquer outro assunto (talvez as farmácias estejam para os homens do Vale do Paraíba – região de Lobato – assim como as padarias estão para os pirajuenses hoje).

Em 2009, o poeta João Reimão traduziu para poesia diversos de seus sentimentos – como escreveu ele próprio no prefácio – e, dentre esses achados, está o poema “Bocas”, dedicado a Miguel Pereira, no qual Reimão traça um perfil da “bocudice” pirajuense ironizada pelo Conde do Paranapanema em 1953. “Aqui, bocudos são os homens, as mulheres não têm boca para nada”.

Confira a seguir:

Diz o conde de Paranapanema

Gosto de esquinas

Creio que esta minha qualidade de apreciar as esquinas provem do fato de estar por muitos anos residindo nessa bela cidade que se chama Jarupi e que é atravessada por um rio ao qual emprestei o meu nome.

Esquina possui uma atração toda especial para os meus conterrâneos de Jarupi. E não o é sem razão. Quanta coisa interessante revela uma esquina ao cidadão que, em plena displicência do seu “far-niente” de homem de recursos, vai ali fazer um cigarrinho.

Assuntos são os mais variados. Só não se fala mal da vida alheia, de resto dá para ouvir de tudo: a preferência do fulano por morenas; a grande criação de papagaios organizada por sicrano; também a razão de ser o cavalo de um melhor daquele do outro. E quem é que não gosta disso? E as horas vão passando. Chega a hora do aperitivo; almoça-se; dorme-se a sesta, e de novo, o agradável ambiente da esquina amiga, para se tratar das últimas.

De repente surge um carro; é o fulano. “Mas que cor feia. Onde é que se viu pintar automóvel numa cor assim?” “Ainda mais que o sujeito está falido”. “Não diga!”. “Como? Você não sabia? Já teve 80 títulos protestados”.

“E sabe de uma coisa? É bem feito, porque o tal é muito orgulhoso, nunca vem papear aqui com a gente”.

E assim segue o seu ritmo de progresso vertiginoso da bela Jarupi. Todos são tão amigos; sempre prontos para prestar uma informação; mesmo quando não é pedida. Num banco, numa repartição. “Interessa a vida do fulano? Pois não; ele gasta, mas gasta tanto; e não sei onde tira todo esse dinheiro”. “E o sicrano?”. “Oh esse é muito bom; mas está ruim de vida, o coitado; já vendeu tudo; não tem mais com que garantir a ração de seus papagaios”.

E essas informações são tão úteis na vida de uma cidade. Ajudam tanto a prosperidade do seu povo.

Gosto das “esquinas”.

Fonte: Jornal O Comércio de Piraju. Edição de 1º de fevereiro de 1953

 

BOCAS

Autor: João Reimão

Livro: 69

Para Miguel Pereira

Toda boa boca

Tem o bom da boca.

Pirajuense é um bocado peixe.

Cuidado, peixe morre pela boca.

Muitos querem uma boquinha.

Não conseguindo, metem a boca no trombone.

Batem boca, na boca maldita.

Onde sempre tem um boca mole.

A notícia corre à boca pequena.

Voa de boca em boca.

Aqui, bocudos são os homens.

Mulheres não têm boca para nada.

Por nada, põem o coração pela boca.

Caladas voltam para a boca do fogão.

Boca fechada.

Mas bocas continuam destilando veneno.

Rolam panfletos desbocados.

Acabam desembocando numa boca de lobo.

Mas o mal está feito, tem gente de boca amarga.

É de gelar a boca do estômago.

Na boca da noite a boca fica quente.

Para não amanhecer com a boca cheia de formiga

É melhor virar essa boca para lá.

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