Théo Motta
Aos sete anos fui abusado por uma serviçal que trabalhava na casa dos meus pais, Dona Maria Benguela, uma senhora de uns 70 anos ou mais, orgulhosa de ser descendente de escravos africanos desembarcados no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, onde eram vendidos para comerciantes e plantadores de café de todo o país. Tinha mãos fortes, mãos afiladas muito macias e delicadas, olhos espertos e sorriso maroto.
Todas as tardes, ao encerrar seus afazeres do dia, esquentava a água no fogão a lenha, enchia uma enorme bacia de alumínio e me dava banho. O ritual começava por um ensaboamento completo do corpo então franzino do moleque arteiro, depois da cabeça ter sido lavada por uma mistura de erva-cidreira, arruda e canela de pau (segundo ela, para afastar maus espíritos e doenças de inveja). Depois segurava o pequeno pinto, sorria e repetia matreira: “vamos lavar bem esse pintinho para que ele cresça forte, vire um frango e depois um belo galo formoso para a alegria das mocinhas assanhadas”.
O movimento de vai e vem acabou por fazer com que o prepúcio se rompesse e a água da bacia ficasse tingida de vermelho. “Ih, meu fio, arranquei seu cabaço!”- sorriu, maliciosa. Ligou para a minha mãe na Coletoria, que ligou para a farmácia e em menos de dez minutos chegavam o Seu Mário Martignoni e seu ajudante e aprendiz, Jonas Villas Boas, ainda um rapazinho, que desinfetaram o pequeno pinto com álcool, passaram uma pomada amarela, enfaixaram-no e, antes de concluir o serviço, aplicaram uma injeção de penicilina – até hoje não sei se por necessidade ou pura sacanagem.
Minha mãe, ao chegar do trabalho, ligou para a comadre Santinha do Adelino: “comadre, seu afilhado agora já é um hominho de verdade e você precisa ver o tamanho da minhoca”.
Fosse hoje, nesses tempos de patrulhas mal-humoradas e mal resolvidas, a negra velha seria manchete no Jornal Nacional por abuso sexual de incapaz; minha mãe chamada ao Conselho Tutelar (cabide de emprego oficial) para aprender a cuidar de filho menor; o farmacêutico seria repreendido pelo Conselho de Farmácia e o menor aprendiz seria despedido imediatamente, interrompendo assim uma carreira promissora que desenvolveu como profissional.
Nesses tempos bicudos, a vida perdeu um pouco a graça e casos como esse aqui relatado ficarão mais raros e acabarão desaparecendo, nem a memória sobreviverá. Restará a chatice dos contatos de Facebook e Whatsapp. É a treva.
