Théo Motta

Zé Roberto conheceu Maria da Penha na festa de fim de ano da firma que ela trabalhava. Foram apresentados por um amigo em comum e a empatia foi imediata. Trocaram telefones, começaram a sair, passaram a se encontrar quase que diariamente e três anos depois se casavam oficialmente, com padre, padrinhos, testemunhas e tudo mais.

Ele era jornalista, trabalhava numa grande editora, músico nas horas vagas e um grande hipocondríaco: tinha caixas e mais caixas de sapatos lotadas de medicamentos guardadas debaixo da cama. Ela era farmacêutica e trabalhava para uma multinacional do setor.

Mas Zezão, como era conhecido por conta dos seus 1,95 e sapatos 45, escondia um mistério trancado a sete chaves. Toda quinta-feira, depois do almoço, sumia do trabalho e só voltava para casa tarde da noite. O fato intrigava seus companheiros de trabalho, os amigos e, claro, Maria da Penha, desconfiada como toda boa mineira. O assunto caiu na boca do povo e a galera começou a fazer apostas: uns diziam que ele tinha amante argentina; outros que tinha família no Rio de Janeiro; havia até quem jurava tê-lo visto tomando a ponte aérea, tendo anotado inclusive o prefixo do Electra – PPVJN.

Apesar das desconfianças de Maria da Penha, o casamento seguia como todos os outros. Durante os primeiros sete anos, comeram o chantili e a cereja do bolo e agora estavam se preparando para comer a merda. Foi quando tudo aconteceu.

Durante um final de semana numa casa de lazer em Ilhabela, Zezão sentiu uma forte dor no baixo ventre (popularmente conhecido como saco) e o casal voltou correndo para São Paulo atrás de um hospital especializado. Depois de muitos exames, o diagnóstico indicou um câncer nos testículos, já com metástase.

Resignado e muito tranquilo, ele foi objetivo e frio: mozão (aquela coisa melosa), quero ser cremado e que as cinzas sejam jogadas na Praia do Veloso em Ilhabela, onde passamos momentos tão felizes. Você promete? Maria da Penha prometeu.

Após três meses de agonia, ele finalmente faleceu e foi cremado. Não demorou muito e os mistérios de quinta-feira começaram a ser revelados na forma de cheques sem fundo trocados com agiotas que atuavam no Jockey Clube, onde Zezão passava as tardes apostando e perdendo grandes quantias de dinheiro nos cavalos.

Maria da Penha se desesperou ao saber dos valores e a gota d’água foi quando um agiota mais ousado, conhecido como “o corcunda da cocheira”, propôs a ela uma noite de prazeres carnais num quarto de motel em troca da quitação da dívida. Ela, vistosa que só, chegou a considerar o assunto, mas os credores eram mais de 20 e, se desse para um, teria de dar para todos e nem todos seriam tão generosos.

Uma noite, das muitas que passou sem dormir, lembrou-se da promessa de jogar as cinzas do marido em Ilhabela. Pegou a urna e despejou todo seu conteúdo na privada da suíte do casal, desabafando com toda sua ira: DESGRAÇADO, FILHODAPUTA, VIADO. JOGANDO EM CAVALOS, GASTANDO O NOSSO DINHEIRO E ME DEIXANDO ENDIVIDADA COM TODO MUNDO QUERENDO ME COMER? VOCÊ VAI É PRO RIO TIETÊ, QUE É ONDE MERECEM FICAR OS ESCROTOS DA SUA LAIA. VA-GA-BUN-DO!

Como diria a Doutora Lygia Nagibe Eluf, promotora pública e especialista em crimes cometidos pelo sexo feminino, sobre os quais já escreveu vários livros: “cuidado, homens, com a ira das mulheres”.

Maria da Penha, a mineira de Montes Claros, morreu três ou quatro anos depois, dizem alguns que de paixão. Foi assim que tudo aconteceu.

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