Documento assinado pelo prefeito Domingos Theodoro Gallo regulamentava a posse de animais em Piraju
Que o cão é o melhor amigo do homem, poucos discordam. Hoje em dia, adotar um é simples e grátis, além de que, na prática, são pouquíssimas as responsabilidades de um proprietário de animal perante a municipalidade, muito embora assuntos como “posse responsável” estejam em voga e a figura do defensor de animais tenha adquirido certo destaque.
Contudo, elementos como a “carrocinha” e a eutanásia não acontecem atualmente em Piraju (e estão em desuso na maior parte dos lugares). O Código de Posturas Municipais de 1918, assinado pelo prefeito Domingos Theodoro Gallo, elenca uma série de regulamentações sobre a posse de cães na cidade, entre elas a obrigatoriedade do açamo (focinheira) para algumas raças consideradas agressivas e a necessidade da inscrição dos cães junto à municipalidade. (Veja a seguir)
Quase ao mesmo tempo em que Theodoro Gallo aprovava o Código de Posturas em Piraju, o escritor Lima Barreto, que vivia no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, publicava uma crônica na revista Careta sobre a carrocinha que capturava cães nas ruas, numa bela dissertação sobre a relação entre o ser humano e o cão e sobre o amor.
Capa do Código de Posturas Municipais de Piraju de 1918
Trecho do Código de Posturas Municipais de 1918
Capítulo IV – dos animais
Art 229º – Quem quiser ter cães soltos pelas ruas deverá matriculal-os (sic), sendo as respectivas inscrições feitas em livro especial para esse fim destinado, com a declaração do nome e moradia do dono, raça, cor e nome do animal.
Parágrapho 1º – Os cães matriculados deverão trazer sempre colleiras (sic), onde o número da matrícula estará carimbada.
Parágrapho 2º – Além dessa obrigação, todos os cães da espécie de boldogos (sic) e filas deverão andar sempre açamados.
[…]
O infrator de qualquer das disposições deste artigo incorrerá na multa de 30$000.
[…]
Artigo 340º – Os cães, ainda que matriculados, que forem encontrados vagando pelas ruas e praças da cidade e seus arrebaldes, sem coleiras com o número da matrícula, ou sem açame, serão apprehendidos (sic), e seus donos, quando conhecidos, multados em 30$000.
[…]
Parágrapho único: o cão que não for reclamado pelo dono e não encontrar licitantes em praça pública será morto pelo processo indicado pelo Prefeito Municipal.
[…]
Artigo 342º – À noite, deverão os cães ser recolhidos por seus donos ao interior das habitações, para que não perturbem o sossego público e os transeuntes.
O infrator ocorrerá na multa de 10$000, podendo ser o cão apprehendido nos termos do artigo 340.
Artigo 343º – Os cães bravios (sic), hydrophobos (sic) ou atacados de outras moléstias, assim como qualquer outro animal que possa ser prejudicial ao público, encontrado vagando pelas ruas, praças e logares (sic) públicos, quer sejam matriculados, quer não, serão immediatamente (sic) mortos pelos meios que forem determinados pelo Prefeito Municipal.
4 de outubro de 1918
Domingos Theodoro Gallo
Prefeito
Joaquim Barreiros
Secretário
…
A CARROÇA DOS CACHORROS
Lima Barreto
Lima Barreto (1881-1922): escritor, jornalista, suburbano e visionário
Quando de manhã cedo, saio da minha casa, triste e saudoso da minha mocidade que se foi infecunda, na rua eu vejo o espetáculo mais engraçado desta vida.
Amo os animais e todos eles me enchem do prazer da natureza.
Sozinho, mais ou menos esbodegado, eu, pela manhã, desço a rua e vejo.
O espetáculo mais curioso é o da carroça dos cachorros. Ela me lembra a antiga caleça dos Ministros de Estado, no tempo do Império, quando eram seguidas por duas praças de cavalaria de polícia.
Era no tempo da minha meninice e eu me lembro disso com as maiores saudades.
— Lá vem a carrocinha! — dizem.
E todos os homens, mulheres e crianças se agitam e tratam de avisar os outros.
Diz D. Marocas a D. Eugênia:
— Vizinha! Lá vem a carrocinha! Prenda o Jupi!
E toda a “avenida” se agita e os cachorrinhos vão presos e escondidos.
Esse espetáculo tão curioso e especial mostra bem de que forma profunda nós homens nos ligamos aos animais.
Nada de útil, na verdade, o cão nos dá; entretanto, nós o amamos e nós o queremos.
Quem os ama mais, não somos nós os homens; mas são as mulheres e as mulheres pobres, depositárias por excelência daquilo que faz a felicidade e infelicidade da humanidade – o Amor.
São elas que defendem os cachorros das praças de polícia e dos guardas municipais; são elas que amam os cães sem dono, os tristes e desgraçados cães que andam por aí à toa.
Todas as manhãs, quando vejo semelhante espetáculo, eu bendigo a humanidade em nome daquelas pobres mulheres que se apiedam pelos cães.
A lei, com a sua cavalaria e guardas municipais, está no seu direito em persegui-los; elas, porém, estão no seu dever em acoitá-los.
Careta, 20-9-1919
Edital do jornal O Piraju em 30/03/1926 tratando sobre a questão animal