Lampião, o rei do cangaço, em xilogravura

Avô de Mariquinha, o personagem dessas linhas nasceu e viveu parte da vida na cidade do Sobral, no sertão do Ceará.

No final dos anos 20, João de Deus tirava um cochilo na rede em frente à sua casa quando foi acordado pelo o chute de uma figura bastante conhecida no sertão nordestino daquele tempo. O autor do chute apontou uma carabina para a testa do dorminhoco e ordenou, num tom de voz que não permitia recusa: “Me segue”.

Foi a partir daí que João de Deus passou a ser o novo integrante do bando cangaceiro mais famoso do país. O sujeito que lhe chutou na rede era ninguém menos que o Virgulino Ferreira da Silva em pessoa, o Lampião.

Naquele tempo, a vida camponesa não era fácil no sertão nordestino, permanentemente assolado pela fome, miséria e carência de oportunidades de trabalho. Para muitos, o cangaço significou uma busca pela justiça e vingança contra o sistema que privilegiava alguns poucos e marginalizava a maior parte da população.

Ao ouvir as vozes de Lampião e seu bando na frente de sua casa, o jovem Emílio, filho de João de Deus, se escondeu debaixo da cama. Desde pequeno nutria um grande desgosto pelo banditismo dos cangaceiros, que saqueavam vendas e deixavam um rastro de violência e insegurança entre os vilarejos e cidades do pedaço.

O esconderijo deu certo. Lampião partiu levando em seu bando somente João de Deus, Emílio foi poupado dessa missão, permanecendo em casa com sua mãe, dona Joaquina, mulher rendeira que manuseava os bilros com habilidade, e seus três irmãos: Madalena, Maria e Manoel.

Como não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe, a permanência de João de Deus no cangaço teve fim depois de alguns anos. Debandou do grupo em razão dos ferimentos causados por uma facada que levou na costela. À essa altura, tinha as costas cobertas de cicatrizes causadas por brigas e tiros e estava impossibilitado de correr e fazer movimentos bruscos.

A condição de saúde somada a uma grande seca que assolava o sertão no período fez com que João decidisse tentar uma vida melhor no sudeste. Juntamente com a família, tomou um navio no litoral e desembarcou no porto de Santos (nesse mesmo navio vieram alguns parentes de Luiz Gonzaga, cantor de baião, que era amigo de Emílio). Depois do desembarque, João de Deus e sua família tomaram o caminho do interior paulista e chegaram até a roça da Boa Vista, em Tejupá.

Enquanto viveu na Boa Vista, João trabalhou no campo, assim como seus filhos. Gostava das plantas e defendia os animais silvestres que habitavam as matas dos arredores da roça. Quando ouvia sons dos caçadores que se embrenhavam na florestinha à procura de caça, pegava a garrucha que sobrara dos tempos do cangaço e atirava para cima. Dessa forma, espantava os algozes e protegia os animais da mata.

Do avô, Mariquinha somente conheceu as histórias. João de Deus faleceu com bastante idade, vítima de uma infecção, que na época foi atribuída à facada na costela levada ainda nos tempos do cangaço.

Quando João de Deus morreu, sua garrucha, o chapéu de cangaceiro e todos os objetos que usara quando fez parte do grupo de Lampião foram para uma fogueira. Foi assim que Emílio “queimou” (ou tentou queimar) o cangaço de sua história.

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