Mariquinha, narradora de causos e memórias

Aos 81 anos, Maria José Oliveira – Mariquinha – é alguém que lembra de um cenário já bastante modificado no interior paulista. Suas memórias contemplam a vida rural, a “roça” das regiões de Piraju, Sarutaiá e Tejupá e também histórias de figuras que parecem personagens de livros de Cornélio Pires, retratos do caipira legítimo.

Uma dessas figuras é seu próprio tio-avô, Jeremias, a quem conheceu somente através das histórias contadas por sua mãe. Jeremias era o clássico caipira mentiroso e enredeiro, que conseguia a atenção de todos nas festas, guardamentos (velórios) e onde quer que houvesse aglomeração de gente para ouvir suas mentiras bem contadas – isso no final do século 19, começo do 20, na região do sítio da Boa Vista em Tejupá. Dizia ser pescador, apesar de nunca ter apanhado um peixe sequer na vida.

De vez em quando Jeremias passava uma temporada na casa de algum parente que vivia numa região distante da própria Boa Vista e, quando retornava, dizia ter viajado para o Mato Grosso, onde supostamente vivera altas aventuras. Numa delas, era devorado por uma sucuri e, já no interior do bicho, fez uso de um canivete que estava em sua algibeira para abrir a barriga do animal e terminar a história salvo.

Noutro causo, tio Jeremias estava pescando à beira de um rio num Mato Grosso fictício quando se deu conta de que seus objetos estavam ficando cada vez mais distantes. Prestou então atenção no cenário e descobriu que quem estava em movimento era ele próprio, sendo arrastado por uma sucuri – a mesma que ele cortara por dentro, pois era visível a cicatriz do corte por onde se salvou quando foi ingerido pela serpente.

Ainda no Mato Grosso imaginário, o tio-avô de Mariquinha acabou sem querer entrando num ninho de onças e salvou-se por meio de uma pirueta que deu segurando o rabo da valente e feroz onça-pintada que tentava proteger os filhotes.

O homem tinha um cachorro de estimação que apanhava as codornas que o dono caçava para comer no matagal da região. Certa vez, Jeremias atirou numa codorna que voava. Ferida, a ave caiu no rio. O cão se atirou nas águas para pegar a caça, mergulhou e demorou um bom tempo até retornar à superfície. Quando o mentiroso estava se cansando de esperar, acreditando ter perdido seu amigo de quatro patas, o cão surgiu com um peixe – e não a ave – na boca. Segundo o homem, a codorna morta tinha sido devorada pelo peixe. O cachorro, sem deixar por menos, capturou então o animal aquático que covardemente ingeriu a codorna abatida pela carabina do proprietário.

Jeremias faleceu em meados dos anos 20 na roça da Boa Vista, sem jamais desmentir as lorotas que contava para seus interlocutores.

 

Mariquinha nasceu em 8 de agosto de 1937, na zona rural de Belo Monte (atual Tejupá), onde fez escola e viveu parte da vida. Tem 7 filhos e uma infinidade de netos e bisnetos. Ao longo da vida, trabalhou como lavadeira, cozinheira, no conserto de roupas e na produção de tijolos, mas ficou conhecida em Piraju e região no ramo do “rolo”, através da compra e venda de roupas e demais objetos.

 

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