Regulamento vetava participação de atrizes e dançarinas além de exigir “condições morais” das participantes. Jornal ofereceu certificado como prêmio à vencedora
Dezenas de moças da cidade participaram de um grande concurso de beleza promovido pelo jornal “O Piraju” no início do ano de 1929. Quase 90 anos depois, falecidos todos os adultos daquela época, restaram apenas notícias sobre o evento, eternizadas graças às páginas amareladas pelo tempo do antigo semanário, cujas edições estão hoje disponíveis no Acervo Municipal.
Com o avanço do feminismo nas últimas décadas (ainda que a duras penas), práticas de concursos de beleza vêm sendo questionadas e problematizadas pelo mulherio, agora ligado na busca pelos seus direitos fundamentais e completamente inserido no mercado de trabalho (leia-se: independente).
Questionando:
Sob o olhar feminino do século 21, as publicações d’ “O Piraju” sobre o referido concurso ilustram um sem número de situações machistas, desalinhadas com os atuais conceitos de diversidade ou puramente obsoletas, a começar pelas exigências (ora vagas) para a participação: moças solteiras que tivessem entre 16 e 25 anos com “verdadeiros dotes de beleza fisionômica e plástica, obedecendo a todas as condições antropométricas” – existe ciência exata para medir beleza?
O regulamento do concurso ainda vetava a inscrição de moças que “fizessem da beleza profissão, como as que pertencem a teatros, dancings, etc.” e exigia da candidata “condições morais”, sendo que a avaliação desses atributos cabia ao jornal organizador, que mantinha um corpo de funcionários 100% masculino, como não podia deixar de ser, afinal, estamos falando de 1929!

A Vencedora
Devido às condições de impressão da época, “O Piraju” não publicava fotos. Mesmo assim, dedicou várias colunas de texto em suas páginas para divulgar o concurso. Imagens da vencedora, Esther Baptista, e do baile de coroação, não tem. Por quase três meses, a população pôde votar na candidata de sua preferência, preenchendo o “coupon” que vinha impresso dentro do jornal.
Interessante apontar que esse tipo de competição de beleza feminina surgiu na França do século 19, quando os jornais parisienses, entusiasmados com o advento da fotografia, decidiram exibir fotos de belas mulheres e fazer votação para eleger a mais formosa de todas. Nos anos 50, uma marca de roupas de banho dos Estados Unidos elaborou um concurso no qual as candidatas desfilaram de maiô. Com o apoio da Universal Studios, a ideia vingou e assim surgiu o “Miss Universe”, que até hoje movimenta muito dinheiro.
Em entrevista ao jornal, a “senhorita Esther Baptista”, coroada a mais bela moça da cidade, declarou-se surpreendida com o resultado a atribuiu sua vitória ao acaso. “Reconheço que em Piraju há muitas moças mais bonitas do que eu e que mereciam ter ganhado o concurso. Todas as minhas amiguinhas aqui presentes são muito lindas e entre elas ainda destaco a Geny, na qual eu votaria para rainha. Contudo, estou muito contente”, disse ela.
Indagada sobre o motivo de moças tão bonitas não terem alcançado expressiva votação, Esther, “rodeada de gentis amiguinhas” (palavras do próprio jornal) respondeu que os responsáveis por isso eram os “flirts” (“paqueras”) das concorrentes. “Quando ele (o namorado) é bom cabo eleitoral, a votação vai subindo sempre; quando ele é ciumento, não há votação quase nenhuma”, argumentou.
O baile, segundo notícias d’ “O Piraju”, teve danças prolongadas até às 5 da madrugada e aos convidados foram oferecidos vinhos e refrescos.
Para refletir:
Como reagiríamos atualmente perante um concurso de beleza que exigisse “condições morais” das participantes e colocasse um júri exclusivamente masculino para julgar tais atributos?
A isso, soma-se o artigo “Mulher bonita”, de Fidelis Fagundes (leia abaixo), publicado em 27 de janeiro de 1929 na página 1 do jornal “O Piraju”, que, dentre outras coisas, dizia que mulheres bonitas são menos preferíveis como esposas. Machista ou não?
Mulher bonita – artigo de Fidelis Fagundes publicado em 27 de janeiro de 1929 na página 1 do Jornal “O Piraju”
John Gritz Cor, jornalista inglês, publicou há poucos meses um estudo interessante sobre a mulher bonita. Ele averiguou que 50% das mulheres bonitas ficam solteiras e que a porcentagem dos casamentos das mulheres não possuidoras de encantos alcança a 90%. Isso parece um exagero de sua parte, mas fácil é crer que essa seja a pura realidade.
Não sei se seu estudo abrange também as mulheres americanas do sul e principalmente as brasileiras, mas pela Europa acontece tal qual ele diz. Nada é mais natural. A mulher bela é vaidosa por natureza. Isso é indiscutível. O sexo forte é, na sua totalidade, todo ciumento. É desse ciúme que nasce o receio de ter por esposa uma moça que atraia, por si, instintivamente, o olhar, ou mais, a cobiça dos outros, esta, que nesse ponto é realmente fraca, sente-se orgulhosa de ser admirada, e, na maioria das vezes, arrasta-se para a fatalidade.
Eis o motivo porque os homens preferem sempre por patroa aquelas que não tenham vivos traços de beleza. Isto é, para aquelas que se julgam lindas, uma horrível verdade e; para as feias, um forte consolo.
Não queiram, encantadoras pirajuenses, ficarem todas feias, e principalmente agora, quando estamos empenhados num concurso que há de coroar a mais bela dentre vós.

