Théo Motta

Essa história, dizem, teria acontecido na pequena cidade de Palmital (SP), à época um vilarejo à beira de uma estação da EFS (Estrada de Ferro Sorocabana). O personagem era Benedito de Tal, conhecido na cidade como Dito Hollywood pelos seus dotes físicos muito semelhantes aos grandes atores americanos que apareciam nos filmes exibidos no pequeno cinema da praça.

Dito Hollywood era barbeiro de profissão, muito requisitado pela população masculina e tocava trombone de vara na banda municipal todos os domingos à noite após a missa das 18 horas no coreto da praça, em frente à igreja matriz.

As moças tinham um interesse muito especial nele e demonstravam, com escritos na calçada, frases como: “Dito Oliúde é lindo”, “Dito Oliúde é o Elvis Presley de Palmital”, além de enviarem-lhe recadinhos pelo Serviço de Auto Falantes da igreja: “essa música a moça do vestido vermelho e bolsa branca oferece ao Dito Oliúde como prova de simpatia”.

O padre ficava injuriado com tanta sem-vergonhice (expressão dele), mas cada música custava dois mil réis, então, quanto mais fãs o Dito tivesse, melhor seria seu almoço de domingo.

Mas Dito Hollywood tinha lá seus pontos fracos e um deles era a atração por mulheres comprometidas, noivas ou casadas, hábito que já havia lhe causado alguns dissabores, cicatrizes e outras marcas pelo corpo, inclusive de tiros e facadas. Mas já diz o velho ditado: a raposa perde a pelagem, mas não perde o vício.

Uma noite, após a missa, o galante barbeiro e músico por paixão já se preparava para subir no coreto, quando avistou Lurdinha pela primeira vez e ficou deslumbrado. Naquela noite, tocou trombone sem hunca ter tirado os olhos dela, nem para ler sua partitura. Ficou sabendo que ela era casada e que o marido, um gaúcho de Passo Fundo, era motorista de caminhão e às vezes passava mais de uma semana na estrada, o que já era um ponto favorável.

Dito começou a paquera, passando pelo menos duas vezes ao dia pela casa da moça, que morava numa vila meio distante do centro e dos olhos curiosos dos conhecidos. Quando a via, repetia frases de efeito, a maioria delas tiradas das radionovelas cubanas que ouvia enquanto afiava navalhas e tesouras na barbearia. “Se funcionou com as outras, há de funcionar com ela também”, ele pensava.

Só que não funcionou. A moça resistia às investidas do galanteador de quermesse e, quando sentiu que não poderia mais recusar os mimos e propostas, contou tudo para o marido. Naquele tempo, esse tipo de incidente muitas vezes era resolvido a bala, mas o gaúcho pensou muito e encontrou uma fórmula para vingar-se de uma possível cornitude indesejada.

Em Palmital, a maioria das casas era feita de madeira e o costume era construir o banheiro com chuveiro e a latrina num cômodo separado da construção principal. Como não havia rede de esgoto, porque a cidade não tinha rio nem ribeirão, os dejetos eram despejados em fossas que, quando ficavam lotadas, eram cobertas com cal virgem, fechadas e reabertas em outro local.

O marido então combinou com a mulher que ela deveria aceitar a corte do Dito Hollywood na próxima noite e que o convidasse para entrar, deixando todo o resto por sua conta.

Era quase 8 da noite quando Dito passou pela rua e viu Lurdinha na janela, mais bonita que nunca. Ela olhou para ele, apontou a porta entreaberta e o convidou para entrar. O barbeiro esfregou as mãos e pensou: “é hoje!”.

Foi entrando pela sala modesta e, caminhando para o quarto, viu no corredor um rádio sintonizado na rádio Mayrinque Veiga-PRK-9 do Rio de Janeiro, que a essa hora tocava boleros e nesse dia parecia ter escolhido a dedo seu repertório.

Foi então que avistou Lurdinha bem de perto e observou que ela era muito mais bonita do que se lembrava. Morena, cintura fina, coxas grossas, olhos verdes e boca sensual realçada por um batom vermelho daqueles que deixam marcas na cueca.

“Quer tomar um drinque para esquentar?” – ele aceitou. “Podemos dançar um pouquinho se você quiser”, ela provocou.

Ele abraçou a moça e, ao som de Gregório Barrios e sua música La Barca, sentiu o perfume forte e as coxas grossas coladas às suas. Já se preparava para dar um cheiro no cangote quando ouviu um barulho de motor de Fenemê estacionando e acionando o freio a ar. Bateu o pânico.

Lurdinha mandou-o se esconder no banheiro, de onde o gaúcho previamente retirara da privada as tábuas de sustentação que mantinham o cagante em segurança e descoxara a lâmpada. Dito caiu na armadilha, foi só entrar na casinha que foi parar na fossa lotada de merda até a metade. Gritou de nojo e pavor a noite inteira.

No dia seguinte, foi resgatado pela polícia da cidade, lavado e esfregado com creolina e preso por invasão de domicílio.

Dito Hollywood passou a ser por onde passava o Dito Privada.

Os fregueses foram sumindo, o padre o demitiu da banda e as moças, quando o avistavam, mudavam de calçada.

Dito vendeu seus poucos bens, fechou o salão de barbeiro, juntou suas poucas tralhas numa mala de papelão prensado, comprou uma passagem para São Paulo no trem da meia noite e desapareceu no mundo.

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