Caso do circular: Autor de denúncia fala sobre andamento de Comissão Processante

Advogado Glauco Montilha expõe razões que o levaram a denunciar possíveis fraudes na licitação e opina sobre desdobramentos do caso

 

Expira em 1º de agosto o prazo para conclusão dos trabalhos da Comissão Processante que investiga supostas fraudes na lei de licitações envolvendo o transporte circular em Piraju. Dependendo do resultado, a CP pode resultar na perda de mandato do prefeito José Maria Costa.

A Comissão foi fruto de uma denúncia feita no final de abril pelo advogado Glauco Montilha. Segundo ele, situações atípicas no processo de transferência de concessão entre a Viação Piraju e a Rio-pardense chamaram sua atenção e o levaram a fazer a denúncia:

Primeiramente, o extrato do contrato publicado em jornal apontava anuência da Viação, coisa nunca vista por ele em contratos públicos. Em segundo lugar, o diretor administrativo Paulo Sara respondeu a um requerimento do vereador Antônio Carlos Corrêa sobre a referida licitação, sendo que, em “situação normal”, a matéria seria respondida pelos diretores de serviços de secretaria ou licitações, responsáveis diretos pelo assunto.

Em conversa com o blog, Montilha comenta alguns detalhes sobre a CP:

 

VT: Fugindo do “juridiquês” e considerando que a população não é perita em direito, explique-nos qual o fundamento de sua denúncia e qual a gravidade dos supostos atos cometidos pela administração e que culminaram nessa CP em andamento.

Glauco: A prefeitura alterou no afogadilho, num prazo de menos de 20 dias, a cláusula 10 do contrato com a Viação Piraju e permitiu que essa empresa transferisse sua concessão recém-renovada para outra firma sendo que o contrato em vigor não permitia transferências.Quem deveria escolher a empresa responsável pelo circular na cidade era o município por meio de licitação, e não a prefeitura por meio de artimanhas jurídicas que ferem os princípios da Impessoalidade e da Moralidade da administração pública.

VT: A defesa do prefeito argumenta que a alteração do contrato foi feita dentro da lei.

Glauco: A defesa do Prefeito está fazendo o trabalho dela de forma técnica e correta. Entretanto, quem rege o contrato entre prefeitura e empresas contratadas para efetuar serviços públicos é a Lei de Licitações e a  Constituição Federal. A defesa do prefeito embasou sua tese no permissivo legal para alterações. De fato, existem esses permissivos, mas a lei 8.666/93, que rege as licitações, permite somente alterações de ordem qualitativa ou quantitativa e não foi isso o que aconteceu no contrato da prefeitura com a Viação Piraju. Há ainda o princípio da impessoalidade e da moralidade, expressos no Art. 37 da Constituição Federal, que estão intimamente ligados a outro princípio, o da vinculação ao edital (Art.3º da Lei de Licitações). Em síntese, não é toda e qualquer alteração que pode ser feita, há limites expressos para isso.

VT: Didaticamente, o que seriam essas alterações qualitativas e quantitativas? Exemplifique melhor.

Glauco: De modo bem simples: imagina uma licitação para a compra de um produto que a fabricante vai à falência. Nesse caso, a prefeitura teria que comprar produto de qualidade  semelhante, não teria outro jeito – e teria de ser aditado o contrato, uma alteração qualitativa prevista em lei. Em relação às alterações quantitativas, elas acontecem bastante com exames médicos. Por exemplo: você faz um contrato de dez mil exames no laboratório, mas o número de pacientes naquele mês extrapola o acordo. Aí a lei prevê que a contratada ofereça 25% a mais de exames (segundo nosso exemplo) sem necessidade de uma nova licitação.

No caso da prefeitura com a empresa dos ônibus, a alteração contratual não foi qualitativa nem quantitativa. O que se alterou foi uma condição de extinção do contrato, ou seja, foi ilegal. A municipalidade também descumpriu a regra maior da licitação, que é o respeito ao princípio de vinculação ao edital, a minuta do contrato que vai ser assinado. O respeito a esse princípio garante que o administrador público não faça uma escolha pessoal no ato da contratação de empresas e de serviços públicos, mas com essa alteração super-rápida, o princípio se perdeu. O edital não previa mudança de contrato. Essa transferência de concessões não podia ter sido feita do modo como aconteceu, pois o edital não permitia tal alteração.

VT: Testemunhas de defesa do prefeito justificaram essa alteração contratual?

Uma delas afirmou que a prefeitura precisou alterar a cláusula ou então a população corria o risco de ficar sem ônibus. Isso foi desmentido por outras testemunhas, pois aqui na cidade existe outra empresa que assumiu estar interessada em participar de um eventual processo licitatório e, mesmo se não tivessem outros interessados, a lei permite a contratação de empresas para prestação de serviços em caso de emergência.

VT:No andamento da CP até agora, já foi revelado o responsável por essa alteração supostamente fraudulenta no contrato?

O questionamento é justamente esse: quem mandou alterar a cláusula. Por enquanto, essa mudança trata-se de uma criança sem pai. Quem foi ouvido na CP fala que a alteração aconteceu no setor de licitação, mas quem mandou? Formalmente, ninguém. Uma das testemunhas alegou que quem teria poder para isso era o prefeito, mas não afirmou, com todas as letras, que foi o prefeito o responsável. Em síntese, pode-se dizer que ninguém teve coragem de assumir a paternidade dessa criança.

VT: Na sua opinião, qual será o desfecho da Comissão Processante?

Uma fraude à lei de licitações é algo muito grave, pois a manobra escamoteou a lei, apoiando-se somente  na lei de concessão (Lei 8.987/95), que permitiria alterações contratuais entre prefeitura e firma contratada. Por essa tese, estão suprimindo todas as outras normas da legislação – como a vinculação estrita ao edital e permissão de alteração somente a aspectos qualitativos e quantitativos, como explicamos anteriormente.

Por todos os indícios de ilícito que temos até agora, eu creio que o relator vai pedir a condenação – que é a perda de mandato do prefeito. Tal decisão vai ser votada na câmara e pode acontecer dos vereadores discordarem da medida e ZM continuar no cargo.

Caso isso aconteça, a denúncia fatalmente irá a outras instâncias, como o Ministério Público Estadual, Tribunal de Contas… esse caso será sim investigado como se deve. Há fortes indícios de irregularidades cometidas…

VT: Inclusive pagamento de propina para o jornal que até então era propriedade do diretor administrativo e de um atual assessor do prefeito.

Sim, isso está sendo apurado na CP. Entretanto, cabe ressaltar que a denúncia que formulei é fundada no desrespeito a Lei de licitações e a princípios constitucionais. Surgiram nos depoimentos fatos nebulosos e contraditórios. É importante deixar claro que ainda que os vereadores optem por não punir o prefeito nesse momento, em caso de comprovação da prática de ilícito e de ação fraudulenta, o MPE poderá descobrir essas ilegalidades a qualquer momento. Aquele que tentar encobrir alguma possível ilegalidade do Executivo não vai querer ter sua imagem colada a isso para sempre, ainda mais com as eleições municipais se aproximando.

 

 

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