Elas não ocupam cargos públicos remunerados, não são consultadas sobre coisa alguma e ainda são tachadas de neuróticas. Seria isso alguma pista sobre o papel a que Piraju relegou suas mulheres?

 

Logo que a família Arruda se estabeleceu em nossa cidade, então chamada de Tijuco Preto, no ano de 1859, o patriarca se empenhou na edificação de uma capela dedicada ao santo de sua maior devoção.

De acordo com os relatos de Constantino Leman, registrados em seus livros sobre a história do município, nem todo mundo concordou com ação a priori tão benéfica e fraterna do nosso velho Joaquim Antônio. A única voz destoante que se tem registro é a de Gesuína Gomes da Rocha, conhecida pela vizinhança como “Nhá Zuína”. Ela era esposa de Manoel Caetano de Moraes e madrinha do garoto Dito, um peralta que vagava pela cidade com um potrinho chamado “Cavalinho”.

Vista geral da Piraju do passado.

Enquanto posseiros brancos, incluindo Joaquim Antônio de Arruda, derrubavam mata para construir a primeira capela, Dito, num de seus passeios com o Cavalinho, chegou ao local e sua curiosidade infantil fê-lo questionar sobre o que estava ocorrendo por ali. Consta que um peão respondeu-lhe que velho Arruda ia levantar uma capela e que mandara até trazer um sino de Botucatu.

O menino foi logo contar a novidade para a madrinha, que segundo os relatos que chegaram para Constantino Leman durante suas pesquisas, ficou “pistola” ao saber da intenção do forasteiro e ainda teria dito que seria ela a rezar a primeira missa se tal barbaridade se concretizasse.

Dito passou o recado da madrinha para os homens da obra e o velho Arruda achou graça. Consta que ele inclusive chegou a enviar um ofício para a dona Gesuína convidando-a a celebrar a primeira missa quando a capela ficou pronta. Sobre a reação da mulher e possíveis desdobramentos de tal contenda, nada se sabe, nada ficou registrado.

FOTO: Acervo Municipal de Piraju

No livro “O São Sebastião do Tijuco Preto” (1966), Leman escreve que a mulher rejeitara a capela porque, enciumada, “não havia sido consultada” sobre o assunto.

Nhá Zuína é a única mulher a protagonizar qualquer cena nos relatos antigos de Piraju narrados a Constantino e por ele reproduzidos. O autor menciona que a inspeção e leitura das primeiras atas da fundação do patrimônio revelam que “fervia discórdia bastante séria” nos bastidores políticos da cidade. Talvez o “ciúme” de Nhá Zuína pelas atitudes beneméritas do velho Arruda tivessem, então, uma motivação política por trás.

Nenhuma mulher ficou gravada nos anais de nossa história, exceto por dona Gesuína, retratada como ciumenta e brava. Nos textos, os xingamentos dela ao afilhado ocupam várias linhas. A distância temporal e a ausência absoluta de registros e fontes vivas nos impedem de descobrir se sua provocação ao velho Arruda foi motivada por política, inveja ou ruindade, mas a forma como essa anedota foi registrada deixa subentendido que devia ser muito difícil ser mulher de personalidade por aqui na época do Tijuco Preto.

Quantas Nhás Zuínas de ontem tiveram a coragem de peitar o velho e bem relacionado Arruda, compadre de Barão do Rio Branco? E como os Arrudas de hoje tratam nossas atuais Nhás Zuínas, quando elas se envolvem em questões políticas e de poder na atualidade? Um assunto que rende muitas reflexões sobre a relação entre mulheres e política e que transcende Piraju, sem dúvida, mas isso ficará ao encargo de cada leitor.

1 thought on “As “Nhás Zuínas” da cidade

  1. Com certeza a Nhá Zuína de hoje, mulher forte e
    independente, não se furta à luta e sabe muito
    bem imprimir sua personalidade tanto na
    política quanto na vida moderna. O feminino
    permeia o masculino. Isso é um fato, basta
    querer compreender.

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