“Passeio” pelas páginas d’O Piraju transporta leitor para época de Ataliba e Nestor do Val
Que jornais impressos retratam épocas é inegável. Na intenção de fazer uma viagem pela Piraju de 100 anos atrás, fomos ao Acervo Municipal para folhear os jornais da época. De 1920 não há nenhum impresso arquivado, mas os exemplares amarelados d’O Piraju do decorrer da década nos levam ao passado por alguns instantes.
Além do cheirinho de coisa antiga, a própria composição do jornal é uma viagem no tempo: anúncios contornados por bordas rococós, blocos e blocos de texto sem nenhuma foto e um trabalho jornalístico enxuto, composto basicamente de notas de aniversários, falecimentos, bodas, comunicados, editais de proclamas (sempre assinados pelo oficial do Registro Civil e escrivão de paz Luiz Barone), homenagens e volta e meia algum artigo assinado, às vezes reproduzido de algum veículo de circulação mais ampla. Fora a linguagem, repleta de adjetivos.
O Piraju era gerido por Nestor do Val e, em 1927, estava em seu vigésimo ano de circulação.
CONTEÚDO
Nota da edição de 1º de janeiro de 1924 d’O Piraju avisava sobre a inauguração da Capela de Santo Antônio na Vila Tibiriçá no dia 6, com “organizado programa de festas” e “pomposo leilão de prendas”. Em 6 de janeiro, o veículo trazia nota exaltando o trabalho de Firmino Alves Negrão pela construção da capela e também noticiava o aniversário do então prefeito Domingos Theodoro Gallo.
Em 1º de fevereiro de 1925, o veículo narrava, brevemente, a busca policial por curandeiros, em especial a um chamado João Patrício, que receitara oito gramas de “estrychnina” a um enfermo. Nesta época, toda edição do jornal continha a programação do Casino Pirajuense, um local de diversão e lazer que exibia filmes.
Nem só de conteúdo local vivia O Piraju. A edição de 29 de agosto de 1926 noticiava a morte do ator Rodolpho Valentino no exterior.
Em 10 de fevereiro de 1929, o veículo avisava sobre a chegada do Circo Japonês, companhia que viajava pelo interior com elenco composto de 60 figuras, banda de música, luz e condução própria.
BANQUETE
Pelas linhas d’O Piraju descobrimos que Ataliba Leonel recebeu uma homenagem pela colônia síria da cidade em março de 1927. A solenidade contou com banquete e baile. No menu, mayonaise, ravióli, torta à Ataliba Leonel, frango assado, peru, posta de carne cheia, torta de petit pois, cabrito cheio, Magdalena, berinjelas recheadas, arroz, vinhos, champagne, frutas e doces, além de café e charutos. Presentes no evento, Celso Augusto do Amaral, João Barone Mercadante, Deodoro Lago, Nestor do Val (responsável pelo jornal), Ovídio Rodrigues Tucunduva, Carlos Ferreira, Leônidas do Amaral Vieira, João Oliva Alcântara, Domingos Theodoro Gallo, Joaquim Guilherme Moreira Porto, Belgrave Teixeira e outras figuras que hoje são nomes de rua ou de estabelecimentos.
Os exemplares d’O Piraju e outros jornais antigos podem ser consultados no Acervo Municipal de Piraju, situado no galpão da antiga Fepasa.
PELA POLÍCIA
(reprodução da coluna criminal d’O Piraju da edição de 19 de outubro de 1927. Mantivemos a grafia de algumas palavras usadas à época)
TENTATIVA DE SUICÍDIO
No dia 3 do corrente mez, pelas 17 horas, a população desta cidade foi alarmada com a notícia de que, da ponte do Rio Paranapanema que banha esta cidade, a decahida Georgina de Oliveira havia se atirado ao rio.
Num momento, cerca de duzentas pessoas se approximaram do local, enquanto outras que trabalhavam naquela hora, no serviço da barragem, procuravam salvar a desatinada rapariga, o que conseguiram a uns 200 metros do local onde a mesma havia se atirado, pondo-a salva e transportando-a à margem do rio.
A polícia, sabedora do facto, compareceu ao local, mandando transportar Georgina para o hospital, onde deveria receber os cuidados médicos reclamados pelo seu estado, sendo socorrida pelo dr. José Ataliba Leonel, médico assistente do hospital.
Aberto o necessário inquérito e pelas declarações prestadas pela victima, o motivo da tentativa de suicídio prende-se ao facto de Georgina, há uns 20 dias, vir tendo, diariamente, attrictos com o seu amazio e, por esse motivo achou ella que devia dar cabo a existência, mas, desta vez, não conseguiu.
RAPTO
Na noite de 5 deste mez, Pedro de Oliveira, que há tempo vinha namorando Maria Anna de Medeiros, filha do colono Antonio de Medeiros, residente na fazenda “Barra Grande” neste município e de propriedade do dr. Matheus Cesar, raptou-a fugindo para a cidade de Fartura, onde no hotel “Bertoni” foram agarrados e detidos pela polícia.
Comunicada a prisão dos fugitivos à autoridade, foram eles transportados para aqui, abrindo-se inquérito dando em resultado o casamento dos “taes” civilmente.
CRIMINOSO
Foi preso nesta cidade, ao dia 9 do corrente, sendo, no dia seguinte, remetido para a Capital, o indivíduo João Barbosa, autor do assassinato do fazendeiro Leopoldino Dutra de Moraes, residente em Ribeirão Claro, Estado do Paraná, ocorrido no dia 2 de Maio do corrente anno, o qual, foragido d’aquela cidade, homiziou-se na fazenda “Tanquinho”, deste município e frequentava, impunemente, esta cidade.
BRIGA
Na fazenda “Tanquinho”, deste município e de propriedade do sr. Dr. Pompeu, por ocasião de um baile que se realizava na noite de 8 do corrente, na colônia, por motivos sem importância, houve uma discussão entre o fiscal da referida fazenda, Luiz Pinto e Joaquim dos Santos, resultando este agredir aquelle à facca, ferindo-o no supercilio esquerdo e ferimentos limiares na face e dorso da mão do mesmo lado.
Foi aberto inquérito, depois de submetido a victima a exame de corpo de delito, continuando o mesmo em andamento, na polícia.
CRUELDADE
Há factos que pelo modo que passam não deixam de causar má impressão mormente como este que vae narrado: No bairro do “Caracol” deste município, reside o sitiante de nacionalidade portuguesa de nome João Balthazar Neves, casado com uma brasileira, a qual, entre outros parentes, tinha um sobrinho de nome João Barbosa, mentecapto que há três meses veio residir em casa de Balthazar.
Aconteceu que João Barbosa adoecendo tornou-se fraco ao ponto de um dia, sofrer uma queda no terreiro da casa e ferir-se no nariz, onde, por falta de cuidado, pegou “bicho”.
Passados ainda diversos dias sem que os “bichos” fossem extinguidos, João Balthazar resolveu transportar Barbosa para esta cidade e internal-o na Santa Casa, o que o fez no dia 5 do corrente, intenando-o, mas já em estado de não proferir palavra alguma.
No dia seguinte, João Barbosa, pela manhã, faleceu, sendo o facto comunicado ao dr. delegado desta cidade, para esclarecimento do caso, pois pairava dúvida quanto a causa do ferimento que motivou o ajuntamento de vermes.
Foi, então, pela polícia dado as providencias, transportando-se este até o citado bairro do “Caracol”, onde foram tomadas as declarações de João Balthazar e que são conforme acima ficam descriptas.
FERA HUMANA
Na fazenda “Taboleiro”, neste município, reside o colono nacional de nome José de Almeida Camargo, casado com uma viúva que tem filhos do primeiro matrimônio e entre eles o de nome Sebastião Couto, de 11 annos mais ou menos.
Como José Camargo, constantemente se entrega ao vício da embriaguez, nesse estado, maltrata mulher, filhos e enteados.
Assim é que, na noite de 9 para 10 do corrente, José Camargo, depois de esvaziar um litro de “pinga”, toma de uma facca e com ella desfere, de costa, uma facada no rosto de Sebastião, produzindo-lhe enorme ferimento e provocando forte hemorragia na pobre criança.
O administrador da aludida fazenda, snr. Orestes Piacenço, sem perda de tempo transportou o ferido para esta cidade, onde, com guia da polícia, entrou na Santa Casa.
Está aberto inquérito, após ter sido a victima submetido a exame de corpo de delito.
O criminoso acha-se preso para averiguações do facto, porém a sua prisão preventiva se fez necessária, visto a perversidade com que o crime fora praticado.

