
Conforme mencionado nos artigos anteriores, no final dos anos 20, Emílio Cearense, filho do ex-cangaceiro João de Deus e de dona Joaquina, trocou a vida na cidade do Sobral, no Ceará, pela roça da Boa Vista, nas imediações de Tejupá.
Jovem, valente, mas incapaz de fazer o mal para qualquer pessoa, queimou todos os objetos do pai que eram relacionados ao cangaço, pois sentia muita vergonha desse aspecto da vida de João de Deus.
No interior de São Paulo, ficou conhecido como “Emílio Cearense” devido ao sotaque e ao fato de ter advindo de estado tão distante depois de adulto. Casou-se duas vezes, sendo que no segundo casamento teve três filhos: Mariquinha, Zeca e Emília.
Mariquinha define o pai como um sujeito corajoso e “bom capoeirista”. Desviava e dava “olé” em assaltantes, tomava facas e chicotes da mão de quem tentava agredi-lo. Certa vez, em visita à capital paulista, sentiu uma lâmina cortante em seu pescoço no momento em que saía da estação da Luz. Era um assaltante. Virou-se rapidamente e, num movimento rápido e certeiro, tomou a lâmina da mão do agressor, que partiu correndo, assustado.
Na roça, Emílio trabalhava com agricultura, cultivando a terra e negociando animais. Tinha um depósito onde estocava alimentos e um dia chegaram dois andantes desconhecidos pedindo pouso. Permitiu de bom grado que a dupla pernoitasse no depósito.
No dia seguinte, os forasteiros partiram sem dizer tchau nem agradecer pelo pouso.
Uma pessoa veio alertá-lo:
– Emílio, sabe aquelas linguiças que você guardava no depósito? Os andantes comeram.
– Fizeram bem em comer, pois deviam estar famintos – respondeu.
– Emílio, sabe aquelas frutas que estavam no depósito? Os andantes levaram embora.
– Sem problemas. As frutas não vão fazer falta.
– Emílio, sabe aquele saco de café torrado? Os andantes cagaram dentro.
Aí já era demais. Bosta humana no saco de café era mais do que Emílio podia suportar. Que gente mal-agradecida! Perguntou para o pessoal da roça qual direção os andantes tinham tomado. “Foram rumo a Belo Monte? Maravilha”!
Montou no cavalo e foi para Belo Monte no encalço dos visitantes mal-educados. A galera da roça não acreditava que a missão seria bem-sucedida, pois àquela altura os cagões deveriam estar longe. Passou um bom tempo, até que de repente vislumbraram no horizonte o Emílio chegando a cavalo, dando chicotadas que faziam estalos fortes no ar. À frente, correndo esbaforidos e assustados, os andantes que haviam cagado no café torrado.
– Vieram limpar a merda que fizeram no meu depósito – explicou Emílio ao pessoal que se aglomerava para ver a cena.
Depois de limpar a sujeira, os andantes foram embora e nunca mais deram as caras na roça da Boa Vista.
Emílio faleceu em 1948, aos 50 anos de idade, vítima da picada da chupança (o “barbeiro”, transmissor do Mal de Chagas).

