Naomi Oliveira Corcovia/ Théo Motta

 

Muitos anos atrás, o jornalista e poeta Alpheo andava jururu porque reprovara no vestibular de direito. Viajou na maionese e tirou zero na redação, sendo eliminado na lata. Para consolá-lo, o viajante Joe Ramones afirmou – não se sabe se por deboche, piedade ou um combo dos dois – que Alpheozinho escrevia melhor que Pablo Neruda. Feliz da vida e orgulhoso, o jovem reprovado comprou um poncho boliviano no Paraguai, um par de coturnos, uma boina preta à la Che Guevara e saiu declamando versos em todos os lugares em que chegava, especialmente nos botecos dos arredores do Tijuco.

Passada essa fase, Alpheozinho tomava sua cachaça batizada no boteco do Paco, um espanhol que dizia já ter viajado num disco voador, quando entrou, de repente, Zé da Bota, o ex-prefeito de Perobal, uma cidadezinha com menos de 3 mil habitantes, escondida por cafezais às margens do Rio Paranapanema, uma região conhecida por Angra Doce, doce ilusão.

José da Bota era um sujeito cor de chocolate que alisava os cabelos a ferro, tinha ares de Chuck Berry, fala mansa e calipígio (dono de uma bundinha bem torneada). Era fanhoso também, o que irritava alguns de seus interlocutores, que o deixavam falando sozinho.

Ao avistar o político desacompanhado, Alpheo Neruda viu a oportunidade de tomar umas cervejas baratas de graça e, quem sabe, comer um salame fatiado que o Paco jurava ser receita exclusiva de sua avó, mas as más línguas diziam que eram produzidos com gatos que andavam desaparecendo misteriosamente dos quintais da cidade. Puxou papo:

“Bom dia, prefeito, como vai?”

Zé da Bota, mal humorado, respondeu: “Bom dia? Só se for para você. O neguitinho aqui está muito triste. Perdi a eleição por onze votos e logo para um galego que chegou na cidade não faz seis meses, vindo lá de Bonsucesso. O povo foi muito ingrato comigo, meloso.”

“Isso é verdade, prefeito”, foi dizendo o Neruda, “mas o senhor vai convir comigo que o povo ficou muito puto do senhor ter nomeado mais de 20 parentes para cargos na prefeitura, todos com bons salários, enquanto os eleitores passam necessidade”.

“Ah, Alpheozinho, o povo é falador. Eita povo marvado! Se os cargos eram de confiança, quem eles queriam que eu colocasse lá? Coloquei minha família porque é gente chegada minha e se saíssem da reta eu mesmo consertava, ué” – respondeu Zé da Bota, indignado, que prosseguiu: “o que me deixou muito triste, Alpheozinho, foi terem feito um boneco de piche do meu tamanho, vestiram ele com um terno listrado, uma camisa vermelha, gravata verde, mala na mão e plantaram o coitadinho bem na porta da rodoviária, como se tivesse esperando o ônibus. LOGO NA RODOVIÁRIA QUE EU INAUGUREI COM VERBA QUE RECEBI LÁ EM BRASÍLIA DAQUELE DEPUTADO QUE, BENZADEUS, ESTÁ EM CANA”…

Alpheo Neruda não estava gostando do rumo daquela conversa. Se José das Botas não parasse de se lamentar, dificilmente lhe pagaria cervejas e salame. Tentou apaziguar:

“Veja bem, prefeito. Daqui a quatro anos o senhor ganha a eleição de novo. O povo gosta de novidade, mas sempre acaba voltando à sua zona de conforto e vendo o que é melhor para eles e o senhor é prata da casa” – piscou para Paco, o dono do botequim – “e outra coisa, esse bonequinho de piche foi uma forma de agradar o senhor, não foi por mal, não. Olha, Seu Zé, no seu lugar eu ficaria muito feliz em ser homenageado assim”

O ex-prefeito de Perobal, desolado, olhou o poeta bem nos olhos: “Pois é, Nerudinha. Eu queria ver se o senhor ia gostar de ver o seu boneco de piche com uma mandioca de quase meio metro de comprimento enfiada no seu fiofó. Que conversa fiada é essa? Por falar nisso, Paco, traga duas cervejas da boa, um salame de gato com limão e duas cachaças que essa conta o Seu Neruda aqui vai pagar”.

Fim de conversa.

Dos personagens desse causo, o prefeito José da Bota nunca mais se elegeu para cargo nenhum; Joe Ramones mudou-se para Paris, onde tem um estúdio de tatuagem (o Pirayú); Paco desapareceu numa noite de outono e Alpheo Neruda, depois de pagar a conta, foi visto em São Tomé das Letras recitando poesias a troco de umas cervejas geladas. E la nave vá!

 

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